Reforma Tributária disfarçada de Reforma da Previdência Social

Por: Fernando Nogueira da Costa. Professor do IE-UNICAMP. 
Fabio Graner, Edna Simão e Fábio Pupo (Valor, 21/02/19) informam a respeito da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) — download no fim deste post. Ela promete economizar R$ 161 bilhões em quatro anos e R$ 1,07 trilhão em uma década à custa de uma “reforma tributária disfarçada, elevando as alíquotas para servidores ainda ativos e também inativos com rendas mais elevadas.
Detalhe não destacado na imprensa: ao elevar o desconto para o INSS, a consequência é diminuir a renda líquida dele tributável pelo imposto de renda (IR): “troca seis por meia-dúzia” sem o ônus de elevar o IR, inclusive para os lucros e dividendos isentos desde o governo FHC, e o dividir em parte com outros entes federativos.
O texto atinge praticamente todos os setores com exceção das Forças Armadas e Polícias Militares estaduais, sobre as quais o governo prometeu enviar projeto específico em 30 dias. A conferir o corporativismo do capitão eleito…
Aperta as regras de acesso à aposentadoria com idade mínima e maior tempo de contribuição, criando um sistema progressivo para servidores públicos e trabalhadores da iniciativa privada. Separa os sistemas de Previdência e assistência (tornando o segundo menos benevolente) e reduz a possibilidade de acumulação de benefícios, entre outras iniciativas.
A reforma proposta define como regra geral uma idade mínima de 62 anos para a aposentadoria de mulheres e de 65 anos para homens. O tempo de contribuição mínima na iniciativa privada será de 20 anos para ambos os casos, mas só terão direito a receber 100% da média dos salários de contribuição quem contribuir por 40 anos, ou seja, terá de contribuir pelo teto (R$ 5.840) em toda sua antiga vida profissional (35 anos) e mais cinco anos, inclusive no início da carreira quando ganha pouco. Se passar mais tempo no mercado, a emenda permite que o rendimento supere os 100%.
Na regra atual, o trabalhador privado não tem idade mínima para se aposentar, se a contribuição for de pelo menos 15 anos. Para o cálculo do benefício a ser recebido, o Regime Geral de Previdência Social (RGPS) hoje considera 80% das contribuições.
demagogia do populismo de direita engana só os incautos, dizendo a alteração na regra de cálculo não necessariamente implicar perda de renda, porque quem ficar mais de 40 anos no mercado terá aposentadoria maior.
No caso dos servidores públicos, a idades mínima será a mesma do RGPS, com exceção de algumas carreiras como policiais, agentes penitenciários e professores de ensino básico. Mas o tempo de contribuição mínimo será maior, de 25 anos.
Pior, faz um atentado ao federalismo, retirando o poder das Assembleias Legislativas estaduais, ao mudar a Constituição Federal no sentido de todas as regras novas do RPPS [Regime Próprio de Previdência Social] valerão para Estados, municípios e Distrito Federal!
Em caso de déficit financeiro e atuarial, esses entes deverão ampliar suas alíquotas de contribuição para 14% tanto para os servidores ativos quanto para os inativos, podendo ir além disso em um prazo de 180 dias da verificação do desequilíbrio, o que demandará aprovação das Assembleias locais. Em outras palavras, transforma um regime de repartição em regime de capitalização, sem as benesses destes, mas só com o custo do contribuinte equilibrar o sistema desequilibrado pelas mudanças de regras ad hoc para efeito de finanças públicas!
A nova Previdência proposta pelo governo torna mais duras as regras de contribuição dos servidores públicos. As alíquotas serão unificadas com o RGPS até o limite do teto do INSS, hoje em R$ 5.839,45, partindo de 7,5% (hoje é 8%) para quem ganha até um salário mínimo e chegando a até 11,68% (alíquota efetiva, que considera progressividade do sistema, nos moldes do que ocorre no Imposto de Renda) para quem recebe entre R$ 3 mil e o teto.
O servidor público que ganha acima do teto citado estará sujeito a mais quatro alíquotas, sendo a mais alta acima de 16,79%. Esta última atingirá quem recebe mais de R$ 39 mil, ou seja, punindo quem está na faixa acima do teto do funcionalismo. Este é o salário de ministro do Supremo Tribunal Federal.
Ribamar Oliveira (Valor, 21/02/19) explica melhor as grandes novidades da proposta de reforma enviada ao Congresso pelo populista de direita. São as alíquotas progressivas de contribuição para a Previdência Social e a permissão para que a União, os Estados e municípios instituam contribuições extraordinárias para equacionar os déficits atuariais dos regimes próprios de seus servidores.
Hoje, a alíquota do servidor ingresso no serviço público antes de 2013 e sem ter feito a opção pela aposentadoria complementar é de 11% sobre o salário. Com a aprovação da proposta de emenda constitucional (PEC) apresentada pelo governo populista de direita, haverá alíquotas diferentes para cada faixa de remuneração, da mesma forma que existe atualmente para o Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF).
Para o servidor público, a contribuição previdenciária ordinária será de 14%e não mais 11%.
  • A alíquota de 14% será reduzida em 6,5 pontos percentuais para a faixa da remuneração de até um salário mínimo: nesse caso, a alíquota será de 7,5% (14% menos 6,5 pontos percentuais).
  • Para a faixa da remuneração acima de um salário mínimo até R$ 2 mil, a alíquota será reduzida em cinco pontos percentuais: será de 9%.
  • Para a faixa da renda acima de R$ 2 mil até R$ 3 mil, a redução será de dois pontos percentuais: 12%.
  • Acima de R$ 3 mil até R$ 5.839,45, não haverá redução: 14%.
  • Para a faixa da remuneração de R$ 5.839,46 até R$ 10 mil, a alíquota de 14% será acrescida de 0,5 ponto percentual: 14,5%.
  • Acima de R$ 10 mil até R$ 20 mil, o acréscimo será de 2,5 pontos percentuais: 16,5%.
  • Na faixa de renda acima de R$ 20 mil até R$ 39 mil, o acréscimo será de cinco pontos percentuais: 19%.
  • Para a faixa da renda acima de R$ 39 mil, o acréscimo será de oito pontos percentuais, ou seja, a alíquota incidente sobre essa última faixa de renda será de 22% (14% mais oito pontos percentuais).
  • As alíquotas efetivas da contribuição previdenciária, obtidas comparando-se o valor pago com a remuneração total, vão variar desde 7,5% até mais de 16,79%, por causa dessas incidências progressivas segundo as faixas de renda.
No caso do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), dos trabalhadores da iniciativa privada, as alíquotas atuais variam de 8% a 11% sobre o salário de contribuição. Com a incidência progressiva, as alíquotas irão variar de 7,5% a 14%, dependendo da faixa de renda. A alíquota efetiva de contribuição ao RGPS vai variar de 7,5% a 11,68%.
Em vez da demagogia do populismo de direita — “Quem ganha mais contribuirá com mais” –, parceiros de O Mercado privado pagaram menos em relação aos servidores públicos! Depois, retirando incentivos, não reclamem de queda da qualidade do serviço público!
O governo espera uma arrecadação extra de R$ 33,6 bilhões nos próximos quatro anos com a mudança das alíquotas do Regime Próprio de Previdência dos Servidores (RPPS) da União e de R$ 173,5 bilhões em dez anos. No caso do RGPS, a mudança de alíquotas reduzirá a arrecadação em R$ 10,3 bilhões nos próximos quatro anos e em R$ 27,6 bilhões em dez anos.
A progressividade é uma questão é controversa. O Supremo Tribunal Federal (STF) cristalizou entendimento contrário ao estabelecimento de alíquotas progressivas para as contribuições previdenciárias de servidores públicos, com o argumento principal de a medida exigir autorização expressa no texto constitucional. A proposta da reforma da Previdência do governo do capitão pretende justamente mudar a Constituição para permitir a progressividade. A conferir se os congressistas se submeterão a “cortar na própria carne”.
Existe outra discussão no Judiciário, ainda inconclusa, em torno da alíquota previdenciária máxima possível de ser cobrada dos servidores. Alguns tribunais têm chamado de abusiva, considerando até mesmo confisco, alíquota em torno de 20%. O argumento é: além da contribuição previdenciária, os servidores também pagam imposto sobre a renda e os tributos sobre o consumo.
Grosso modo, sem considerar o salário descontado do INSS, os próprios juízes do Supremo teriam 22% + 27,5% = metade (49,5%) da renda do trabalho. Igual aos países socialdemocratas europeus! Viva! Quem falou contra “o socialismo” está o implantando no Brasil!  🙂
O Supremo ainda não decidiu qual é o limite para a alíquota previdenciária não ser considerada confisco. Essa questão dependerá de pronunciamento do STF.
A definição do limite para a contribuição previdenciária do servidor é uma questão central, pois, além da “alíquota ordinária”, a PEC permite que a União, os Estados e os municípios cobrem alíquotas extraordinárias para o equacionamento dos déficits atuariais dos regimes próprios de seus servidores. A PEC não estabelece limite para a alíquota extraordinária. Em tese, a soma das duas (ordinária e extraordinária) poderá superar 20%. O déficit atuarial dos servidores da União ultrapassa R$ 1,2 trilhão, e o dos Estados, R$ 2,4 trilhões.
Se a PEC for aprovada, os servidores também terão que trabalhar mais. Quem ingressou no serviço público antes de 2003, por exemplo, embora mantenha o direito da aposentadoria igual à remuneração recebido na ativa (integralidade), terá de trabalhar até 65 anos, se homens, e 62 anos, no caso das mulheres. Não há regra de transição para este caso. Atualmente, a idade mínima é de 60 anos para homens e 55 anos para mulheres.
Os maiores afetados pela PEC, no entanto, serão os servidores que ingressaram no serviço público depois de 2003 e antes de 2013 e que não optaram pelo fundo de aposentadoria complementar. A regra de transição a que eles serão submetidos exigirá mais tempo de trabalho para ter acesso à aposentadoria e um tempo de serviço público de 20 anos. Para eles, a PEC reduz o valor do benefício, pois o cálculo passa a considerar todas as contribuições realizadas durante o período de atividade. Hoje, o cálculo considera 80% das maiores contribuições.
Para aprovar a sua proposta de reforma da Previdência, o governo do capitão terá, portanto, de enfrentar as grandes corporações de servidores. Foi esse embate que inviabilizou a reforma do ex-presidente golpista e corrupto, além, é claro, da denúncia contra ele apresentada pelo ex-procurador-geral da República .
Para os trabalhadores da iniciativa privada, a proposta populista de direita só é mais dura em relação à do golpista no prazo de transição. Agora se estabeleceu prazo de 12 anos. Antes se propôs 20 anos.
A atual equipe econômica desistiu de desvincular os benefícios assistenciais (BPC) do salário mínimo, da mesma forma que fez a equipe de Temer. Na verdade, colocou um “bode na sala” para elevar de 65 a 70 anos a idade mínima para a requerer aposentadoria pelo BPC e ter direito a um salário mínimo: concede R$ 400 para quem está com 60 anos e tem renda familiar abaixo de 1/4 do salário mínimo.
Portanto, trata-se de uma mudança profunda na lógica da tributação.  A contribuição para a Previdência Social será semelhante ao hoje aplicado para o cálculo do Imposto de Renda. Em algumas décadas, as regras de contribuição do regime dos servidores públicos devem ser semelhantes às dos trabalhadores da iniciativa privada que contribuem com base no teto.
Estão retirando, progressivamente, o incentivo para as carreiras no setor público. O populismo de direita ameaça até a estabilidade do emprego contra perseguição política ao fazer a chamada pelos direitistas de “despetização”.
As novas regras de contribuição dos servidores mais que compensam o benefício de reduzir a alíquota mínima para trabalhadores privados para 7,5%, o que favorece mais de 20 milhões de trabalhadores e representa em quatro anos uma renúncia de R$ 10,3 bilhões. A nova tabela dos servidores, que atualmente contribuem com 11% de sua renda, elevaria em R$ 33,6 bilhões a arrecadação no mesmo período.
A proposta de reforma divulgada ontem prevê ainda um período de transição de 12 anos (tanto para o setor público como para o privado), no qual as exigências para aposentadoria vão se tornando mais rígidas. Ao fim desse prazo estarão em vigor plenamente as regras definitivas de idade mínima e tempo de contribuição.
O trabalhador privado poderá escolher entre três opções de transição, ficando com a que julgar mais vantajosa.
  1. Uma delas, baseada no sistema de pontos que soma idade e tempo de contribuição, beneficia quem trabalha por mais tempo.
  2. A outra, pautada em idade mínima, favorece quem entrou mais tarde no mercado de trabalho.
  3. A terceira vale para quem está a até dois anos de se aposentar e institui um pedágio de 50% do prazo faltante.
Para os servidores, só haverá uma regra de transição, também pelo sistema de pontos, mas exigindo ao menos 20 anos no serviço público.
A reforma torna mais dura as regras de aposentadoria para as mulheres da zona rural. Elas agora terão que se aposentar com 60 anos (antes era 55 anos), a mesma idade dos homens.
Aliás, em todos os casos de regras diferentes dos princípios gerais da reforma — como para professores e policiais –, homens e mulheres terão idades mínimas e tempos de contribuição iguais, por conta da visão de já haver uma regra favorecida para a categoria em si.
Os segurados rurais, contribuintes individuais e avulsos terão de contribuir por 20 anos.
No segmento rural, uma mudança importante é o fim da imunidade da cobrança de contribuição previdenciária sobre a folha de pagamentos de exportadores rurais, medida que deve elevar os custos do setor. A conferir a reação da “bancada do boi”, um dos esteios do governo populista de direita.
A reforma do capitão repete uma ideia contida na PEC original enviada pelo ex-presidente golpista: reduzir para 60% do benefício, com adicional de 10% por dependente, a pensão por morte. A regra se aplica para todo mundo, ou seja, viúvas poderão receber pensão inferior a um salário mínimo. Esta tese foi derrubada na tramitação da proposta anterior na comissão especial da Câmara.
O projeto também limita a possibilidade de acumulação de benefícios, permitindo o trabalhador escolher o de maior valor e receba no máximo dois salários mínimos adicionais de outro. Em outros termos, a renda familiar de uma viúva — seu padrão de vida — cairá drasticamente com a morte do marido.
Outra mudança relevante proposta é a elevação para 70 anos da idade mínima para pessoas em situação de miséria terem direito a um salário mínimo, o chamado Benefício de Prestação Continuada (BPC). Para colocar esse “bode na sala” — e os congressistas o cortarem para efeito demonstração às suas bases eleitorais –, eles criaram um sistema “fásico”.
Ele antecipa o pagamento de R$ 400 para quem se enquadra nas regras do BPC a partir dos 60 anos, mas não será permitido acumular com o Bolsa Família. Hoje, a regra é um salário mínimo para pessoas com 65 anos.
A reforma do capitão separa o sistema de assistência, no qual está o BPC, da Previdência. A ideia é dar mais transparência para a análise das contas, verificando onde há problema de déficit e necessidade de cortes ou aumento de recursos para o financiamento de programas governamentais. Dessa forma, a seguridade social será dividida em Saúde, Previdência e Assistência SocialRetira um avanço civilizatório da Constituição de 1988!
Os políticos eleitos até o ano passado poderão permanecer em seus atuais regimes previdenciários, mas precisarão cumprir um pedágio de 30% do tempo de contribuição faltante para eles se aposentarem. Além disso, foi estabelecida a idade mínima de 62 anos para mulheres e 65 anos para homens. Os futuros eleitos seguirão as regras do RGPS.
A PEC define também a criação de um regime de capitalização. Ele valerá para quem entrar no mercado de trabalho após a aprovação da PEC e sua regulamentação por meio de lei complementar.
Mas já está definido: a “nova Previdência” criada nesse regime terá uma garantia de um salário mínimo a ser dada pelo Tesouro Nacional. A ideia é ter uma espécie de colchão para garantir o benefício mínimo, para evitar o suicídio dos idosos com 70 anos como ocorre no Chile. O governo vai estabelecer minimamente um valor. Quem vai botar o recurso no fundo é o Tesouro Nacional. Fica então assim: quem ganha é O Mercado com o boom inicial, quem perde são os contribuintes das EAPC e do TN com o crash posterior.
A proposta define ainda um “gatilho” para elevação gradual da idade mínima de aposentadoria conforme aumenta a expectativa de sobrevida após 65 anos. Esse mecanismo será acionado a cada quatro anos, após 2024. Hoje, a sobrevida está estimada em torno de 18 anos.
Quem votou no capitão, logo arcará com a perda de renda e do padrão de vida. Na próxima eleição, deixará de ser burro!

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